segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Era da Empatia



Na tentativa de revelar os elementos mais básicos da empatia, optei por incluir explicitamente os não humanos na discussão. Nem todos os cientistas concordam com isso. Alguns deles fazem como aqueles macacos que tapam a boca e os ouvidos com as mãos assim que alguém menciona a expressão “estados internos” em relação aos animais não humanos. Não há problema algum em descrever o comportamento humano com termos emocionais, acredita-se, mas esse é um hábito que devemos abolir quando se trata dos animais. Muitos de nós consideram isso quase impossível, pela simples razão de que os humanos tendem a “mentalizar” automaticamente. A mentalização oferece um atalho em relação ao comportamento à nossa volta. Em vez de fazermos observações parciais sobre o modo como nosso patrão reage quando chegamos atrasados (ele franze as sobrancelhas, fica com o rosto vermelho, bate na mesa, e assim por diante), integramos todas essas informações numa única avaliação (ele está enfurecido). Tendemos a acomodar nossas observações sobre o comportamento das pessoas aos objetivos, desejos, necessidades e emoções que atribuímos a elas. Isso funciona adequadamente com o nosso patrão (embora pouco melhore a situação), e aplica-se igualmente bem a um cachorro que vem pulando em nossa direção, balançando o rabo, em contraste com outro que rosna para nós com a cabeça  baixa e o pelo eriçado. Dizemos que o primeiro está “feliz”, e o segundo, “bravo”, embora muitos cientistas ridicularizem o emprego desse léxico porque ele implica a atribuição de estados mentais. Eles preferem termos como “brincalhão” ou “agressivo”. Os pobres dos cachorros fazem de tudo para expressar seus sentimentos, enquanto a ciência se enreda em complicados volteios lingüísticos para evitar mencioná-los.
Obviamente, não estou de acordo com essa cautela. Para o darwinista, não há nada mais lógico do que pressupor a continuidade emocional entre o homem e os outros animais. No final das contas, eu acredito que a relutância em falar sobre as emoções dos animais tem menos a ver com a ciência do que com a religião. Isso vale especialmente para aquelas religiões que nasceram isoladas dos animais que se parecem conosco. Com macacos e grandes primatas à sua volta por todo o lado, nenhuma população das florestas tropicais jamais produziu uma religião que situasse os humanos fora da natureza. Da mesma forma, os países do Oriente – como a Índia, a China e o Japão, cercados de primatas nativos – criaram religiões que não estabeleceram fronteiras rígidas entre os humanos e os outros animais. A reencarnação pode ocorrer de muitas formas diferentes: um homem pode retornar como um peixe e um peixe pode transformar-se num Deus. Deuses macacos, como Hanuman, são comuns. Somente as religiões judeo-cristãs colocam o homem num pedestal, afirmando ser ele a única espécie dotada de alma. Não é difícil entender como os nômades do deserto podem ter chegado a ver as coisas dessa maneira. Na ausência de animais que pudessem servir-lhe de espelho, a idéia da exclusividade da espécie humana ocorreu naturalmente a eles, que viram-se como seres criados à imagem de Deus e como a única forma de vida inteligente do planeta. Ainda hoje, estamos tão convencidos disso que procuramos outras formas de vida inteligente apontando nossos poderosos telescópios para galáxias distantes.
A reação dos ocidentais quando finalmente tiveram contato com os animais capazes de colocar essas crenças em cheque é extremamente reveladora. Quando espécimes vivos de grandes primatas foram exibidos pela primeira vez, as pessoas mal podiam acreditar no que viam. Em 1835, um chimpanzé macho chegou ao zoológico de Londres vestindo um uniforme de marinheiro.  Depois dele foi a vez de uma fêmea de orangotango, apresentada com um vestido.  Ao ver a exposição, a rainha Vitória afirmou que os primatas eram “assustadores, [...] dolorosa e desagradavelmente humanos”. Tratava-se de um sentimento generalizado na época, e ainda hoje eu às vezes encontro pessoas que consideram os grandes primatas “repulsivos”. Por que razão elas reagiriam assim a menos que esses animais lhes dissessem algo a respeito de si mesmos que elas não desejassem ouvir? Quando Charles Darwin, em sua juventude, estudou os mesmos primatas no zoológico de Londres, ele chegou à mesma conclusão que a rainha, mas sem a repugnância experimentada por ela. Darwin considerou que toda pessoa convencida da superioridade humana deveria dar uma espiada nesses primatas.
- Frans de Waal, “A Era da Empatia”, 2009, Companhia das Letras, pp. 290-292.

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