terça-feira, 11 de janeiro de 2011

God is not Great



Permanecem quatro objeções irredutíveis à fé religiosa: (1) ela representa de forma inteiramente equivocada a origem do homem e do cosmos; (2) por causa de seu erro original ela consegue combinar o máximo de servidão com o máximo de solipsismo; (3) ela é ao mesmo tempo resultado e causa de uma perigosa repressão sexual; (4) e ela, em suma, se baseia em pensamento positivo.
Não acho que seja arrogância minha dizer que já tinha descoberto essas quatro objeções (assim como percebido o fato mais vulgar e óbvio de que a religião é utilizada por aqueles em postos temporais para adquirir autoridade) antes de mudar de voz. Eu tenho a certeza moral de que milhões de outras pessoas chegaram a conclusões semelhantes basicamente da mesma forma, e em dezenas de países diferentes. Muitas delas nunca acreditaram, e muitas delas abandonaram a fé depois de uma luta difícil. Algumas delas tiveram ofuscantes momentos de falta de convicção que foram tão instantâneos, embora talvez menos epiléticos e apocalípticos (e posteriormente mais racional e moralmente justificados), quanto o de Saulo de Tarso na estrada para Damasco. E esse é o ponto – sobre mim e os que pensam como eu. Nossa crença não é uma crença. Nossos princípios não são uma fé. Nós não nos baseamos unicamente na ciência e na razão, porque esses são fatores mais necessários que suficientes, mas desconfiamos de tudo o que contradiga a ciência ou afronte a razão. Podemos diferir em muitas coisas, mas respeitamos a livre investigação, a mente aberta e a busca do valor das idéias. Não sustentamos nossas convicções de forma dogmática: a divergência entre o professor Stephen Jay Gould e o professor Richard Dawkins acerca da “evolução pontual” e das lacunas na teoria pós-darwinista é bastante grande e igualmente profunda, mas iremos solucioná-la com base nas provas e no raciocínio, não por excomunhão mútua. (...) Não somos imunes à sedução do encanto, do mistério e do assombro: temos a música, a arte e a literatura, e achamos que os sérios dilemas éticos são mais bem abordados por Shakespeare, Tolstoi, Schiller, Dostoievski e George Eliot do que pelas histórias morais míticas dos livros sagrados. É a literatura, e não as Escrituras, que sustenta a mente e – como não há outra metáfora – também a alma. Não acreditamos em céu ou inferno, mas nenhuma estatística irá revelar que sem essas promessas e ameaças nós cometemos menos crimes de ganância e violência que os fiéis. (Na verdade, caso pudesse ser feita uma correta pesquisa estatística, tenho certeza de que ela indicaria o contrário.) Estamos resignados a viver apenas uma vez, a não ser por intermédio de nossos filhos, para os quais estamos muito felizes de perceber que devemos abrir caminho e ceder lugar. Nós especulamos que seria pelo menos possível que, assim que as pessoas aceitassem o fato de que suas vidas são curtas e duras, se comportassem melhor com os outros, e não pior. Acreditamos com grande dose de certeza que é possível levar uma vida ética sem religião. E acreditamos devido a um fato que o corolário demonstra ser verdade – que a religião fez com que incontáveis pessoas não apenas não se comportassem melhor do que outras, mas concedeu a elas a permissão de se comportarem de modos que fariam ruborizar um proxeneta ou um defensor da limpeza étnica.


Trecho do livro 'Deus não é Grande' (p. 16-17), do jornalista Christopher Hitchens.

Note que 'pensamento positivo' é a tradução (sempre difícil) do termo 'wish-thinking' em inglês, que é uma abreviação de 'wishful thinking'. Esse termo significa a formação de crenças e a tomada de decisões baseado naquilo que se deseja que seja verdadeiro, e não de acordo com o que de fato é verdadeiro conforme a razão e as evidências.