terça-feira, 14 de setembro de 2010

Bendita levedura


As ligações químicas dos nutrientes (açúcares, proteínas, lipídios, etc...) contêm energia que o nosso metabolismo pode liberar de modo controlado e converter em outros tipos de ligações químicas. A moeda de energia mais utilizada pelos organismos é o ATP (adenosina trifosfato), e é possível descrever (de modo extremamente simplificado) a nutrição como a conversão da energia das ligações químicas dos nutrientes em ligações do ATP, que podem ser usadas posteriormente para as outras reações metabólicas.

A glicose é um carboidrato de seis carbonos e constitui numa das principais fontes de energia para os seres vivos. Uma molécula de glicose a ser quebrada pode ter basicamente dois destinos no metabolismo celular: (1) na presença de oxigênio, a glicose é encaminhada para a respiração, de modo a produzir um total de 36 moléculas de ATP; ou (2) na ausência de oxigênio, a glicose é encaminada para a fermentação, de modo a produzir apenas 2 moléculas de ATP.

Logo, não é de surpreender que uma célula com suprimento suficiente de oxigênio dê preferência para a respiração em detrimento da fermentação, afinal a primeira tem um rendimento energético muito maior que a segunda. E aqui eu chamo atenção para uma honrosa exceção: nossa querida e amada Saccharomyces cerevisiae (a.k.a. levedura ou fermento biológico), responsável pela produção do pão, do bolo, da cerveja e do vinho de cada dia.

Nossa amiga levedura apresenta o que se chama de efeito Crabtree (fenômeno batizado pelo bioquímico inglês que o descobriu - Herbert Grace Crabtree): o acúmulo de etanol mesmo na presença de oxigênio e sob elevadas concentrações externas de glicose. Ou seja, parece que a levedura está cometendo um grande desperdício ao encaminhar a abundante glicose para a fermentação ao invés da respiração. E o fato parece ainda mais grave quando se leva em conta que normalmente a levedura está competindo pela glicose disponível com microorganismos de outras espécies, os quais não cometem esse desperdício.

Aí é que vem o pulo-do-gato: altas concentrações de etanol são tóxicas para a maioria desses outros microorganismos, mas não para a levedura. Desse modo, é possível explicar esse comportamento da levedura como uma estratégia programada para liberar o etanol no meio externo e assim matar seus competidores. Quando a barra estiver limpa (i.e., toda glicose quebrada e os competidores aniquilados), a marota levedura reabsorve o etanol  produzido por ela e ativa a sua enzima ADH2 (álcool desidrogenase 2), encaminhando o etanol para a respiração via acetaldeído e acetil-CoA.

E graças a essa malandragem bioquímica, nós da espécie Homo sapiens podemos fazer a levedura produzir para nós esse agradável veneno a partir do mosto de um Malbec ou de um belo trigo maltado.

Fonte: Piskur et al. (2006) How did Saccharomyces evolve to become a good brewer? Trends in Genetics, 22(4): 183-186.

Um comentário:

welington disse...

seu conteúdo não esta ruim, mas use uma linguagem mais científica pois quem le esse tipo de artigo é acadêmico e pesquisador.