segunda-feira, 22 de março de 2010

Tempo

Eram palavras tantas vezes repetidas, como fórmula garantida para preencher silêncios nas conversas entre pessoas que não se conheciam bem...
-Ismail Kadaré (sobre falar do tempo)


A grande experiência comum da espécie humana, que permite manter uma conversação casual com desde o presidente da multinacional até o cara mais humilde, é o tempo. Salvação quando tu te vês num elevador, obrigado a compartilhar aqueles dez ou vinte segundos com um vizinho sobre o qual a única informação que tu tens é que ele mora no quinto andar. Geralmente, o porteiro é a pessoa com quem tu mais pratica a 'arte de preencher os silêncios'. Se o porteiro gostar de futebol, aí ao menos o leque de assuntos se amplia pra dois: "Será que o Colorado vai de três zagueiros amanhã?". Alguns outros assuntos também podem ser atacados, dependendo do contexto. Por exemplo, ao chegar de uma viagem dá pra lançar mão de informações triviais como quanto tempo tu levaste pra chegar ao destino, se as estradas estavam engarrafadas, se o avião atrasou, etc... "A Freeway tava insuportavelmente cheia: levei quatro horas pra vir do litoral". Falar de pessoas conhecidas em comum - as common acquaintances - é outra velha estratégia: "E o Zé? Nunca mais vi ele desde o colégio. Tens falado com ele?" Desafio maior é a viagem de ônibus ao lado daquela pessoa com quem tu tenhas um grau de intimidade exatamente naquela faixa na qual não falar nada fica chato, mas que também faltam assuntos para preencher um 'enorme' período de meia hora. O Alemão disse que nessa situação pega um artigo de dentro da mochila pra ler e se desculpa: "É que preciso ler isso pra amanhã..."

Como escreveu maldosamente o fodástico Douglas Adams, existe uma teoria alienígena de que os seres humanos devem constantemente emitir sons pelas suas bocas para evitar que tenham que usar seus cérebros. Eu sempre pensei que um nítido sinal de intimidade entre duas pessoas é exatamente quando o silêncio deixa de ser um incômodo.

Eventualmente a barreira dos assuntos triviais é ultrapassada, e do outro lado tu encontras um amigo - 'a família que a gente escolhe'. Aí o silêncio e a conversa se alternam com fluidez e naturalidade.

Mas até lá... Será que chove hoje?

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