sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Dentes Guardados


Respondi que estava pensando que a vida é como uma queda. É como cair, cair num buraco muito alto, onde nem dá pra ver o fundo, mas temos certeza de que ele existe. A vida é uma queda, e a vertigem é o melhor de qualquer queda. Quem sabe a vertigem de uma vida é essa sucessão incontrolada de desejos, medos, anseios, alegrias e toda espécie de sentimentos que, deslumbrados, nos esforçamos em entender e controlar? Mas por mais que controlemos a nossa queda, ela sempre resultará no mesmo encerramento fatídico: nos esborrachamos lá embaixo. Logo, por que não encarar nosso fim, inclinando a cabeça para baixo, fitando corajosamente o abismo que se revela, fazendo de nossa vertigem algo tão intenso, válido, perturbador? Por que não fazer da morte a obra-prima da vida, o desfecho glorioso de um livro complicado e difícil de entender, mas que contudo nos leva ao riso e ao choro, à dor e ao gozo, à paz e ao desespero?
- Daniel Galera, Os Mortos de Marquês de Sade

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